Excelente texto de Jorge Marmelo, na edição do Público de quarta-feira passada, sobre os 50 anos da capital brasileira, Brasília, uma cidade pensada, desenhada e construída para ser um exemplo de modernidade que iria inspirar a mudança do Brasil, mas que hoje se acabou por “abrasileirar”. A expressão é do próprio Jorge Marmelo.
Há 50 anos, o Presidente da República brasileiro, Juscelino Kubitschek, tinha prometido uma “cidade bela e racional como um teorema, leve e airosa como uma flor”, mas nem tudo correu como o previsto.
“Brasília falhou em tudo e, ao completar 50 anos, não tem de que se orgulhar. É uma utopia em ruínas”, explicou ao Público o poeta Alexandre Marina, que há 27 anos vive na capital brasileira.
“[A cidade] sofre de todos os males de metrópoles que o tempo arruinou aos poucos, em particular as cidades brasileiras: violência, trânsito caótico, péssimo transporte público, falta de casas para todas as classes, desemprego, miséria e corrupção”, continuou o poeta.
Ainda assim, a bióloga Patrícia Andrade-Nicola vê outra Brasília. “Temos uma qualidade de vida muito melhor do que o Rio de Janeiro ou São Paulo, apesar de os problemas estarem a aumentar com o crescimento da cidade e o desenvolvimento das regiões próximas. Mas a violência não é tanta [como nestas cidades brasileiras] e temos um céu lido. E o traço do arquitecto”, refere.
Já o português Victor Alegria, de 71 anos e que vive há 47 em Brasília, diz que a cidade tem problemas como a violência e miséria que se vive nos subúrbios e, sobretudo, foi uma cidade que não foi construída para andar a pé. “Quem não tem carro, sofre. Brasília é corpo, cabeça e rodas”, conclui.
Na década de 50, Brasília era apenas uma enorme porção de terra desocupada no interior do Brasil. Joscelino Kubitschek, então presidente, mandou-a construir de raiz, tendo contratado os arquitectos Lúcio Costa, adepto do modernismo e Óscar Niemeyer, que planeou uma cidade utópica, racional, monumental e pensada para o automóvel. O que, se vê agora, terá sido um erro crasso.
Inaugurada em 1960, Brasília tem hoje 200 mil habitantes. No entanto, a gigantesca maquete de cimento armando está rodeada de um conjunto de pequenas-grandes cidades onde já vivem hoje 2,4 milhões de pessoas.
“Quem não tem dinheiro é expulso para as cidades-satélites ou condomínios irregulares. As cidades do entorno incham e algumas são vítimas de um crescimento desordenado e que traz consigo desníveis sociais e a violência”, referiu ao Público Victor Alegria.
O que mais chama a atenção na descrição da actual Brasília é a forma como a jovem cidade parece já ter acumulado vários dos problemas de cidades centenárias ou mesmo milenares. Isto apesar de ter apenas 50 anos e de, por esta razão, ter sido pensada já a pensar nos problemas deste século.
Outro bom exemplo de um (mau) projecto citadino é Califórnia City. A cidade brasileira e a norte-americana são dois bons exemplos que provam que construir ou gerir uma cidade será, provavelmente, um dos três maiores desafios que a humanidade vai ter nas próximas décadas. Nem que seja porque 80% da população mundial, dentro de anos, viverá neste espaço comum - mas nem sempre bem tratado ou compreendido por todos.